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Recorde de IPOs no Brasil em 2021: Como explicar?

Atualizado: 3 de fev. de 2022

Ana Paula Ribeiro Nani e João Vitor Farias Jatahy Fonseca



No mês passado, o jornal “O Globo” – amparado com os dados da Bloomberg – divulgou a notícia[1] de que o volume brasileiro de IPOs (“initial public offerings” ou “ofertas públicas iniciais de ações”, em português) teria batido o recorde e atingido R$57 bilhões em 2021.


A despeito de o ano não ter terminado, segundo os dados divulgados, as ofertas públicas iniciais de ações de empresas brasileiras em 2021 já teriam superado o recorde anterior, de R$53,6 bilhões em 2007, quando 60 empresas abriram o capital.

O olhar para esses dados faz ressoar uma questão fundamental: quais os motivos que levariam as companhias a fazerem seus IPOs?


Eizirik et al., no quarto capítulo da prestigiada obra “Mercado de Capitais: regime jurídico[2], ao introduzirem as ofertas públicas, apresentam uma análise sucinta sobre os benefícios da distribuição pública de valores mobiliários, focando, precipuamente, no interesse dos principais agentes, isto é: da própria companhia emissora (no caso de ofertas primárias) e do titular do valor mobiliário (no caso de ofertas secundárias). Nas ofertas primárias, os autores destacam o interesse das companhias de obter recursos a fim de “permitir o financiamento de médio e longo prazos das empresas [...] para a execução de projetos e/ou adequação de passivos” (EIZIRIK, GAAL, PARENTE, HENRIQUES, 2019, p. 201). Já no mercado secundário, exploram o interesse dos titulares de valores mobiliários na liquidez da operação.


Esses, todavia, parecem não ser os únicos benefícios trazidos com a oferta pública. A CVM (2019)[3], por exemplo, destaca, também, o desenvolvimento da imagem institucional. O argumento é de que a visibilidade dada em razão de ser periodicamente mencionada na mídia e acompanhada pelo mercado gera um maior reconhecimento da companhia pelo público relacionado – especialmente em função da transparência de informações.


Na área de administração de empresas, João Paulo Albuquerque Kalil e Gideon Carvalho de Benedicto (2018)[4] também se dedicaram a mapear os benefícios da oferta pública abordados na literatura sobre o tema. Além das já mencionadas vantagens, adicionaram os autores: a definição de um valor de mercado para a empresa; negociabilidade em fusões e aquisições; flexibilidade de decisões estratégicas; auxílio na sucessão de empresas familiares; e aumento dos mercados potenciais.


[...] acessar o mercado de ações pode efetivamente trazer consequências operacionais para as companhias.

Em sua pesquisa, os autores verificaram que “a oferta pública inicial de ações capitalizou as empresas aumentando investimentos, com consequente aumento das receitas e ativos, apesar da redução da rentabilidade medida pelo ROA e pelo ROE.” (p. 220). Isso significa, em outras palavras, que acessar o mercado de ações pode efetivamente trazer consequências operacionais para as companhias.



Gráfico 1: Motivos para tornar a companhia pública

Fonte: BRAU; FAWCETT, 2006.


O gráfico acima, retirado de uma pesquisa[5] realizada com CFOs sobre as razões de tornar pública a companhia indica que a maioria (59,4%) atribuiu a necessidade de liquidez para aquisição futura como principal motivo para a abertura de capital.


Além das listadas vantagens, é interessante verificar, também, a partir do cruzamento de dados empíricos, que há uma aparente sazonalidade nas emissões públicas de ações. No gráfico abaixo, pode-se observar que, quando há uma tendência de baixa no índice IBOV, o número de IPOs registrados na B3 é aparentemente menor. Alternativamente, quando há maior confiança no mercado, o número de IPOs aumenta.



Gráfico 2: Número e Volume de IPOs na B3 & Valor do Índice IBOV


Fonte: B3; cálculos autorais; dados até agosto de 2021.


Uma hipótese possível trazida por Brealey, Myers and Allen[6] (2014, p. 383) para esta relação é a de que, quando há um período de boom econômico, novas oportunidades se desenvolvem e o acesso ao capital “mais barato” torna viável projetos dormentes que antes se mostravam inexequíveis.


Além dessa, são apresentadas outras hipóteses que explicam o fenômeno com base em teorias comportamentais. A ideia é que, em havendo momentos de excesso de otimismo no mercado (“hot markets”), os ofertantes tendem a “sincronizar” os seus IPOs nestes momentos para “surfar a onda de otimismo” e, assim, obter valores superiores aos que poderiam auferir em outros períodos.


A ideia é que, em havendo momentos de excesso de otimismo no mercado (“hot markets”), os ofertantes tendem a “sincronizar” os seus IPOs nestes momentos para “surfar a onda de otimismo” e, assim, obter valores superiores aos que poderiam auferir em outros períodos.

Esse potencial retorno muitas vezes não é realizado diretamente na oferta inicial. É frequente observar, durante o IPO, o denominado underpricing, que consiste na estipulação de preços na oferta pública de ações abaixo do valor de mercado. Tonon (2021)[7] observou que no mercado brasileiro, em média, entre 2010 e 2016, os IPOs apresentam um retorno de 1,02% (v. -0,25% IBOV), aumentando com o tempo (conforme gráfico abaixo). Destaca, inclusive, alguns casos que obtiveram retornos excepcionais no primeiro dia de negociação das ações, como são os casos de BRIN3 (27,41%), LINX3 (18,52%), QUAL3 (15,77%), WIZS3 (12,73%) e ARZZ3 (11,84%).


Gráfico 3: Retornos: média pós-IPO

Fonte: TONON, 2021.


Tonon (2021) e Brealey, Myers e Allen (2014) descrevem possíveis explicações apresentadas pela literatura para este fenômeno.


Alguns autores destacam que esse retorno imediato acarreta uma imagem positiva para a companhia emissora, deixando os investidores com vontade de “quero mais”, aumentando a capacidade de se levantar mais capital posteriormente.


Outros mencionam a assimetria de informações como fator relevante. Por exemplo, o ‘winner’s curse’ ocorre quando investidores informados não se interessam pelas ações emitidas e, assim, o investidor não informado que adquirir as ações leva um ativo por um preço superestimado; o underpricing, por sua vez, ocorreria quando os investidores informados veem valor superior e negociam com essa base no mercado secundário.

A teoria da agência também é utilizada para explicar esse fenômeno. O emissor ou ofertante (“principal”) poderá outorgar ao underwriter – instituição intermediária – (“agente”) uma opção de distribuição de lote suplementar de, no máximo, 15% da quantidade inicial ofertada (art. 24, ICVM 400). Assim, o underwriter pode incentivar a redução do preço da ação (underpricing) para obter lucro com a sua posterior revenda a preço de mercado[8], agindo em potencial oposição aos interesses do emissor ou ofertante.


Por fim, há também a explicação trazida pela psicologia comportamental, que argumenta pela “surpresa feliz” de se observar mais rico, mesmo que em detrimento dos recebíveis de fato menores que o valor de mercado.


Enfim, muitas são as possíveis análises que se podem fazer do cenário econômico brasileiro e, bem assim, de seu volume de IPOs. Muito longe de se pretender esgotar o tema, o presente artigo buscou compreender algumas das motivações econômicas que podem levar as companhias a fazerem seus respectivos IPOs.




 

Ana Paula Ribeiro Nani é mestranda em Direito dos Negócios na FGV Direito SP e pesquisadora do Núcleo de Estudos em Mercados Financeiro e de Capitais da FGV Direito SP. Bacharel em Direito pela FGV Direito SP.


João Vitor Farias Jatahy Fonseca é mestrando pelo programa de MSc in Management da Università Luigi Bocconi. Bacharel em Administração de Empresas pela FGV EAESP-SP. Graduando em Direito na FGV Direito SP.


 

Quaisquer opiniões veiculadas nessa publicação não necessariamente refletem e não vinculam o Center for M&A Studies ou a FGV Direito SP, tendo propósito meramente educacional e informativo, não devendo ser compreendidas como aconselhamento jurídico.


 

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[1] O GLOBO ECONOMIA. “Volume de IPOs brasileiros bate recorde e atinge R$57 bilhões no ano”. Notícia veiculada em 04/08/2021. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/economia/investimentos/volume-de-ipos-brasileiros-bate-recorde-atinge-57-bilhoes-no-ano-25140781> Acesso em 25.09.2021

[2] EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de F.. Mercado de Capitais: regime jurídico. 4ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019.

[3] COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Mercado de valores mobiliários brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Comissão de Valores Mobiliários, 2019. 380p. Disponível em: < https://www.investidor.gov.br/portaldoinvestidor/export/sites/portaldoinvestidor/publicacao/Livro/livro_TOP_mercado_de_valores_mobiliarios_brasileiro_4ed.pdf%20.>. Acesso em: 25.09.2021.

[4] KALIL, João Paulo Albuquerque; BENEDICTO, Gideon Carvalho de. Impactos da oferta pública inicial de ações no desempenho econômico-financeiro de empresas brasileiras na B3. Race: revista de administração, contabilidade e economia, ISSN 1678-6483, ISSN-e 2179-4936, Vol. 17, Nº. 1, 2018 (Ejemplar dedicado a: RACE jan./abr. 2018), págs. 197-224.

[5] BRAU, James C; FAWCETT, Stanley E. Initial Public Offerings: An Analysis of Theory and Practice. Journal of Finance, 2006, vol. 61, issue 1, 399-436. Apud BREALEY, Richard A. MYERS, Stewart C. ALLEN, Franklin. Principles of Corporate Finance. 11th ed. (The McGraw-Hill/Irwin series in finance, insurance, and real estate), 2014.

[6] BREALEY, Richard A. MYERS, Stewart C. ALLEN, Franklin. Principles of Corporate Finance. 11th ed. (The McGraw-Hill/Irwin series in finance, insurance, and real estate), 2014.

[7] TONON, Bruna Pascualin. Estudo sobre efeitos do fenômeno de underpricing em ofertas públicasiniciais no brasil no período de 2010 a 2016. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.1, p.11543-11557 jan. 2021.

[8] OLIVEIRA, Bruno Cals de; KAYO, Eduardo Kazuo; MARTELANC, Roy. A Relação entre Underpricing e Underwriter: uma Análise com Equações Simultâneas. XXXVI Encontro da ANPAD, Rio de Janeiro – RJ, setembro, 2012.

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